Os The Beatles me entendem. Eles compreendem tudo. Até um simples aperto de mão. Como eu queria ter cido daquela época, tudo parecia tão bom. Eu sei que não era bem assim, que hoje pode ser o ontem do passado e a única diferença é que as bandas eram melhores e os jovens mais focados nos seus direitos. Hoje não sou nada além de Julia. E não faço nada além de tocar violão na praça e sem querer, ganhar algumas moedas que uso para comer um calzone no fim do dia.
Toco porque gosto e quem eu gosto. Já fui processada um dia. Mas um dia, e não hoje. Hoje estou com mais fome que ontem, espero que dê para comprar dois calzones. Sempre quando toco The Rolling Stones, as exatas 15:48h passa um rapaz de cabeça baixa e fone de ouvido. O passo apressado, as mãos nos bolsos e uma mochila cheia nas costas. Amanhã vou falar com ele, prometo a mim mesma.
Logo mais a noite, comendo meu calzone, vejo que aquele mesmo rapaz que eu observei logo cedo estava a algumas mesas de distância de mim. Claro que fui falar com ele, sou sem vergonha pra caralho.
– Licença, posso me sentar com você? – Pergunto já me sentando. – Vem sempre nesse bar?
– Oi, o que disse?
Como poderia esquecer do fone de ouvido? Aquele fim de tarde batemos um papo. Descobri o porque da pressa: John, um belo nome por sinal, trabalha na loja de cd’s na esquina. Nunca estive lá. Nunca compro cd, preciso rever isso. Ele já foi musico. Largou pois não conseguiu dinheiro para se sustentar. Ele se surpreendeu por eu ser uma “filinha da mamãe” que não precisava trabalhar com dezenove anos na cara, e tocava na praça por míseros reais.
Passei a encontrá-lo todos os dias depois da praça na loja de cd e íamos juntos comer calzone. Nisso passou-se três meses. Eu brincava de não aguentar mais a cara dele. E ele dizendo que queria conhecer minha família. Bem, não me importaria mas, não gosto de quem sou fora da praça.
– Meus pais são separados. Todo final de semana toco com meu pai, desde jovem e o resto da semana venho a praça. Minha mãe não importa de me sustentar. Ela tem dinheiro para dar, vender e distribuir. E ainda sobra. Ela não sente muito orgulho de mim, nem eu dela, mas nos damos bem. – Um dia disse isso a ele. Que não soube o que dizer.
Nossas vidas eram diferentes, nem um pouco compatíveis. Mas ele não se importou. Em uma tarde que saiu mais cedo da loja, John me fez surpresas com rosas vermelhas. Mal chegou, mal entregou, já me beijou. E foi tão bom. Não havia sentido nada parecido a muito tempo. Desde o meu primeiro namorado, aos dezesseis anos, para ser exata.
No dia seguinte, a notícia. “Terei de ir embora, para Suécia com meu pai. É um projeto, de anos que caminha e agora saiu. Vou deixar de comer calzones para comer de verdade.” Em seguida vieram lágrimas. Não imaginei o tamanho, a intensidade do que se formara. Onde fui me meter, porque fui fazer isso.